As irregularidades nos concursos públicos em nosso país têm ocorrido com frequência alarmante. Cada vez mais os candidatos têm sido injustiçados na realização dos concursos, sem terem a quem recorrer para correção das irregularidades. O Poder Judiciário, ante a ausência de legislação específica, tem evitado interferir nas decisões administrativas sobre concursos, sob o argumento de que se trataria de assunto de mérito administrativo.
São diversos problemas que precisam ter alguma solução, sob pena de se macular gravemente o instituto democrático do concurso público. Entre as principais irregularidades, podemos citar:
· Editais sem a devida publicidade ou com prazo exíguo para inscrição;
· Regras editalícias ambíguas;
· Taxas de inscrição exorbitantes;
· Ausência de indicação de bibliografia e não aceitação da opinião de autores consagrados na área;
· Mudança de datas e horários do concurso em cima da hora;
· Quebra de sigilo das provas ou venda de gabaritos;
· Previsão de títulos com peso excessivo ou que favorecem determinados candidatos;
· Não previsão de recursos contra a nota de certas fases do concurso;
· Locais de prova pouco acessíveis aos candidatos e/ou com péssimas condições de conforto;
· Conteúdo das provas não previsto no edital ou sem relação com as atribuições do cargo;
· Questões objetivas com mais de uma (ou nenhuma) alternativa correta;
· Questões mal redigidas, com consequente ambiguidade de interpretação;
· Comunicação entre os candidatos no momento da prova e despreparo dos fiscais de sala em controlar a situação;
· Cobrança na prova de posições minoritárias ou pouco conhecidas;
· Não divulgação de resposta padrão nas questões discursivas;
· Exíguo prazo para recursos contra os gabaritos e resultados;
· Ausência de motivação dos indeferimentos de recursos;
· Não aceitação de acórdãos majoritários dos tribunais superiores como posições corretas;
· Não comunicação, por correio ou e-mail, dos candidatos aprovados quanto à sua nomeação, especialmente quando passado um longo período de tempo da homologação do concurso;
· Etc. etc. etc.
Para piorar a situação, o Judiciário, como dito acima, tem se mostrado receoso em corrigir tais irregularidades, em razão da ausência de legislação específica que possa ser aplicada aos concursos. Como não há regras estabelecidas, muitos juízes têm entendido que os procedimentos do concurso público se inserem no âmbito do mérito administrativo, privativo da Administração. Assim, os cidadãos não têm atualmente a quem recorrer para sanar as irregularidades.
Tais situações ferem o princípio do livro acesso aos cargos públicos em nosso país, previsto constitucionalmente (art. 37, I, da Constituição Federal de 1988 – CF/88), pois não adianta o candidato se preparar adequadamente, muitas vezes com altos custos de investimento em livros e cursos, se o concurso não for conduzido de forma adequada, justa e transparente.
Nota-se, assim, que a situação chegou a um ponto em que o Legislativo deve procurar atuar de forma efetiva para solucionar o problema, pois os cidadãos candidatos têm o direito de prestar seus concursos públicos em condições justas e adequadas, após meses e anos de preparação e esforço. Afinal, tudo o que eles estão fazendo é tentar progredir na vida de forma honesta e dentro da legalidade.
A falta de competência das bancas examinadoras e a ausência de uma legislação específica para o setor de concursos públicos têm permitido a ocorrências de todas essas irregularidades, situação que, felizmente, pode ser sanada por meio da atuação do Legislativo.
Uma Lei Nacional de Concursos Públicos, aplicável a todas as esferas de Governo, seria o instrumento adequado para solucionar grande parte dos problemas que vêm ocorrendo na realização das disputas por cargos e empregos públicos.
Já há diversos projetos de lei que versam sobre o tema em tramitação no Congresso Nacional, entre os quais, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 74/2010, no Senado Federal; e o Projeto de Lei (PL) nº 252/2003, na Câmara dos Deputados. Vale citar, contudo, que, recentemente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) declarou a anterior Lei Geral de Concursos do Distrito Federal (DF) inconstitucional, por ter sido originada de projeto de autoria parlamentar. Entendeu essa Corte que a matéria seria de iniciativa privativa do Executivo, por se referir a provimento de cargos (art. 61, § 1.º, II, “c”, CF/88). A situação no DF só foi resolvida com a apresentação de um projeto pelo Poder Executivo, o que culminou na Lei Distrital nº 4.949/2012, que hoje trata do tema quanto aos concursos dessa unidade federativa.
Particularmente, discordamos do entendimento do TJDFT, pois o concurso público é fase anterior ao provimento em cargo público, não se inserindo, por isso, nas matérias de iniciativa privativa do Executivo. O provimento só ocorre com a nomeação e a consequente posse dos aprovados, após a homologação final do concurso.
Esta é, inclusive, a posição do Supremo Tribunal Federal (STF), que já decidiu, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.672/ES, que a lei que estabelece isenção de pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos não versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/88), pois dispõe, na verdade, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. Desse modo, a lei atacada na ADI 2.672/ES, de origem parlamentar, foi considerada constitucional por nossa Corte Máxima. Mais recentemente, o STF decidiu também que não há inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa em lei oriunda do Poder Legislativo que disponha sobre aspectos de concursos públicos sem interferir, diretamente, nos critérios objetivos para admissão e provimento de cargos públicos (AI-AgR 682.317/RJ).
Todavia, para evitar, no futuro, mudança no entendimento do STF, posicionando-se de forma semelhante à que foi adotada pelo TJDFT, deitando por terra qualquer esforço que venhamos a fazer para aprovar uma Lei Geral dos Concursos Públicos de origem parlamentar, o ideal seria que a CF/88 trouxesse regra expressa que facultasse a iniciativa da matéria ao Poder Legislativo (como tentou fazer a Proposta de Emenda à Constituição – PEC – nº 500/2006, hoje arquivada, e tenta fazer a atual PEC nº 63/2012, esta sugerida ao Senado pela Associação Nacional dos Concurseiros – Andacon).
Além disso, seria ideal que ficasse claro que a União possui competência para editar uma lei de normas gerais sobre os concursos de caráter nacional, isto é, que se aplique a todas as esferas de Governo, e não apenas à esfera federal. Ainda há controvérsia sobre se a lei de concursos públicos, prevista no inciso II do art. 37 da Carta Magna, seria de aplicação a todos os entes federativos, em virtude do disposto no caput desse artigo ("A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios..."), ou se cada ente deveria edital sua própria lei de concursos, em razão da autonomia política da entidade, decorrente do sistema federativo. Vale frisar que uma lei nacional poderia moralizar os concursos públicos em todo o país. É preciso haver essa moralização dos concursos não só na esfera federal, mas também nos Estados, no DF e nos milhares de Municípios brasileiros.
Hoje a matéria de concursos públicos não está entre aquelas inseridas no rol da competência legislativa concorrente (art. 24 da CF/88), em que a União pode editar normas gerais de observância obrigatória para os demais entes federativos. Desse modo, seria interessante que a CF/88 estabelecesse que o tema concursos públicos estivesse entre essas matérias, o que pode ser feito por meio de uma PEC.
Não há dúvida, por outro lado, de que uma lei de alcance apenas federal (somente para a União) ainda assim teria um forte efeito pedagógico e orientador sobre os demais entes políticos, que poderiam tomar a norma federal como base para a elaboração de sua própria lei de concursos.
O fato é que hoje não está definido claramente se a lei de concursos públicos, prevista no art. 37, II, da CF/88, teria alcance nacional ou apenas federal. O que já está sedimentado na jurisprudência do STF é que essa matéria pode ser de iniciativa parlamentar. Os projetos que tramitam no Congresso Nacional podem refletir uma opção política de regulamentarem apenas os concursos federais ou de se estenderem também aos concursos estaduais, distritais e municipais. O que não se pode é ficar na inércia, deixando esse importante assunto sem regulamentação alguma, ao alvedrio de cada instituição organizadora, para estabelecer, por edital próprio, as normas que serão aplicadas aos seus respectivos concursos públicos, pois já vimos que esse modelo dá margem à ocorrência das inúmeras irregularidades citadas inicialmente.