Você já viu aquelas questões de concurso horrorosas, que não conseguimos responder, simplesmente porque elas estão pessimamente formuladas? Por exemplo, você marcaria as assertivas abaixo, cobradas pelo Cespe/UnB, como certas ou erradas?
1 - (Oficial Bombeiro Militar do DF 2006) O Poder Judiciário pode apreciar, de ofício, a validade do ato administrativo.
2 - (Técnico Judiciário - Área Judiciária do TJCE 2008) O Poder Judiciário pode revogar ato administrativo por não considerar sua edição oportuna.
3 - (Juiz Substituto do TJTO 2007) São excludentes da responsabilidade civil do Estado a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.
4 - (Defensor Público da União 2007) Como a responsabilidade civil do Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva, surge o dever de indenizar se restarem provados o dano ao patrimônio de outrem e o nexo de causalidade entre este e o comportamento do preposto. No entanto, o Estado poderá afastar a responsabilidade objetiva quando provar que o evento danoso resultou de caso fortuito ou de força maior, ou ocorreu por culpa exclusiva da vítima.
5 - (Analista em C & T Júnior I do MCT 2008) O poder disciplinar, que é discricionário, é uma decorrência da hierarquia. Mesmo não havendo hierarquia no tocante ao exercício de funções institucionais — caso do Judiciário e do Ministério Público —, ela existe nas relações funcionais de trabalho.
6 - (Técnico Judiciário do TJRJ 2008) Na aplicação de penalidade a servidor, existe margem de discricionariedade para escolha do ato administrativo de sanção.
7 - (Analista Judiciário - Área Judiciária do TST 2003) A responsabilidade civil do Estado em relação aos danos decorrentes de atividades nucleares de qualquer natureza independe da existência de culpa, tendo sido adotada, nesse sentido, a teoria do risco integral.
8 - (Procurador do Município de Vitória 2007) A teoria do risco integral jamais foi acolhida em quaisquer das constituições republicanas brasileiras.
Gabaritos oficiais:
1-E 2 -E 3-E 4-C 5-C 6-E 7-C 8-C
Caro(a) concurseiro(a), eu lhe digo: o fato é que não há como responder tais questões com segurança. Vejamos.
A questão 1 será certa quando o Judiciário estiver analisando seus próprios atos, no exercício da função administrativa, e será errada, se ele estiver atuando na função jurisdicional, que não é iniciada de ofício. A questão deveria é ter sido anulada. O mesmo vale para a questão 2.
Na questão 3, o caso fortuito, para grande parte da doutrina, é excludente do nexo causal e, consequentemente, da responsabilidade do Estado. Não o é, entretanto, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que considera como caso fortuito o dano decorrente de ato humano, de falha da Administração, que não afasta a responsabilidade. Para esta autora, a questão está realmente errada; para outros doutrinadores, está certa. Pra agradar gregos e troianos, o Cespe resolveu inverter seu posicionamento na questão 4: agora o caso fortuito também é excludente de responsabilidade. E tudo isso no mesmo ano de 2007. Coitados de nós, concurseiros...
A questão 5 afirma que o poder disciplinar é discricionário, mas isso só é verdade quanto à escolha e à dosimetria da penalidade administrativa. A apuração da falta do agente faltoso e a aplicação de uma sanção é ato vinculado, pois é dever do superior hierárquico que tiver ciência de irregularidade no serviço público promover a sua apuração imediata (vide art. 143 da Lei 8.112/1990). Ué, mas então por que a questão 6 foi considerada correta pelo Cespe? Ocorre que o STJ, em 12/12/2007, no MS 12.927/DF, afirmou que inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar. Afirmou isso para poder dizer que, por não haver discricionariedade no ato disciplinar, o controle jurisdicional desse ato é amplo e não se limita a aspectos formais. E o Cespe se baseou nesse julgado para apresentar o gabarito da questão. Agora, note o seguinte: a questão 5 também é de 2008, posterior, portanto, ao citado acórdão da Corte Superior. Pois é! Pelo jeito a banca não está nem aí pra você ou pra mim. Ela não gosta de concurseiros.
Pra finalizar, veja as questões 7 e 8. Uma afirma que a teoria do risco integral é adotada nos casos de danos nucleares, para responsabilizar civilmente o Estado. A outra, que tal teoria jamais foi adotada em nossa República. Qual está certa? Depende do autor. Há os dois posicionamentos: alguns defendem a existência do risco integral em caso de danos nucleares e outros consideram que, mesmo nesses casos, a teoria aplicável é a do risco administrativo. Ambas as questões deveriam ter sido anuladas.
Bem, esses foram apenas alguns exemplos de como as bancas formulam mal suas questões, dando margem a várias interpretações e divergências doutrinárias, o que só prejudica - e muito - quem estuda. Enquanto não tivermos uma Lei Geral dos Concursos Públicos, isso vai continuar, pois as bancas reinam soberanas em matéria de formulação e correção das questões, sem nem mesmo motivar seus gabaritos ou indeferimentos de recursos, situação agravada pelo fato de o Judiciário, na maioria das vezes, se declarar incompetente para anular questões de prova, alegando que isso seria invasão de competência de outro Poder. A esse respeito, veja, no site do Jus Navigandi, meu artigo intitulado O Contraditório e a Ampla Defesa nos Concursos Públicos.
Nesse momento, só resta repetir uma frase que costumo dizer em sala de aula: o concurseiro tem que estar preparado para ser injustiçado. Pelo menos por enquanto.
Um grande abraço a todos.
Luciano Henrique Oliveira.
1 - (Oficial Bombeiro Militar do DF 2006) O Poder Judiciário pode apreciar, de ofício, a validade do ato administrativo.
2 - (Técnico Judiciário - Área Judiciária do TJCE 2008) O Poder Judiciário pode revogar ato administrativo por não considerar sua edição oportuna.
3 - (Juiz Substituto do TJTO 2007) São excludentes da responsabilidade civil do Estado a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.
4 - (Defensor Público da União 2007) Como a responsabilidade civil do Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva, surge o dever de indenizar se restarem provados o dano ao patrimônio de outrem e o nexo de causalidade entre este e o comportamento do preposto. No entanto, o Estado poderá afastar a responsabilidade objetiva quando provar que o evento danoso resultou de caso fortuito ou de força maior, ou ocorreu por culpa exclusiva da vítima.
5 - (Analista em C & T Júnior I do MCT 2008) O poder disciplinar, que é discricionário, é uma decorrência da hierarquia. Mesmo não havendo hierarquia no tocante ao exercício de funções institucionais — caso do Judiciário e do Ministério Público —, ela existe nas relações funcionais de trabalho.
6 - (Técnico Judiciário do TJRJ 2008) Na aplicação de penalidade a servidor, existe margem de discricionariedade para escolha do ato administrativo de sanção.
7 - (Analista Judiciário - Área Judiciária do TST 2003) A responsabilidade civil do Estado em relação aos danos decorrentes de atividades nucleares de qualquer natureza independe da existência de culpa, tendo sido adotada, nesse sentido, a teoria do risco integral.
8 - (Procurador do Município de Vitória 2007) A teoria do risco integral jamais foi acolhida em quaisquer das constituições republicanas brasileiras.
Gabaritos oficiais:
1-E 2 -E 3-E 4-C 5-C 6-E 7-C 8-C
Caro(a) concurseiro(a), eu lhe digo: o fato é que não há como responder tais questões com segurança. Vejamos.
A questão 1 será certa quando o Judiciário estiver analisando seus próprios atos, no exercício da função administrativa, e será errada, se ele estiver atuando na função jurisdicional, que não é iniciada de ofício. A questão deveria é ter sido anulada. O mesmo vale para a questão 2.
Na questão 3, o caso fortuito, para grande parte da doutrina, é excludente do nexo causal e, consequentemente, da responsabilidade do Estado. Não o é, entretanto, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que considera como caso fortuito o dano decorrente de ato humano, de falha da Administração, que não afasta a responsabilidade. Para esta autora, a questão está realmente errada; para outros doutrinadores, está certa. Pra agradar gregos e troianos, o Cespe resolveu inverter seu posicionamento na questão 4: agora o caso fortuito também é excludente de responsabilidade. E tudo isso no mesmo ano de 2007. Coitados de nós, concurseiros...
A questão 5 afirma que o poder disciplinar é discricionário, mas isso só é verdade quanto à escolha e à dosimetria da penalidade administrativa. A apuração da falta do agente faltoso e a aplicação de uma sanção é ato vinculado, pois é dever do superior hierárquico que tiver ciência de irregularidade no serviço público promover a sua apuração imediata (vide art. 143 da Lei 8.112/1990). Ué, mas então por que a questão 6 foi considerada correta pelo Cespe? Ocorre que o STJ, em 12/12/2007, no MS 12.927/DF, afirmou que inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar. Afirmou isso para poder dizer que, por não haver discricionariedade no ato disciplinar, o controle jurisdicional desse ato é amplo e não se limita a aspectos formais. E o Cespe se baseou nesse julgado para apresentar o gabarito da questão. Agora, note o seguinte: a questão 5 também é de 2008, posterior, portanto, ao citado acórdão da Corte Superior. Pois é! Pelo jeito a banca não está nem aí pra você ou pra mim. Ela não gosta de concurseiros.
Pra finalizar, veja as questões 7 e 8. Uma afirma que a teoria do risco integral é adotada nos casos de danos nucleares, para responsabilizar civilmente o Estado. A outra, que tal teoria jamais foi adotada em nossa República. Qual está certa? Depende do autor. Há os dois posicionamentos: alguns defendem a existência do risco integral em caso de danos nucleares e outros consideram que, mesmo nesses casos, a teoria aplicável é a do risco administrativo. Ambas as questões deveriam ter sido anuladas.
Bem, esses foram apenas alguns exemplos de como as bancas formulam mal suas questões, dando margem a várias interpretações e divergências doutrinárias, o que só prejudica - e muito - quem estuda. Enquanto não tivermos uma Lei Geral dos Concursos Públicos, isso vai continuar, pois as bancas reinam soberanas em matéria de formulação e correção das questões, sem nem mesmo motivar seus gabaritos ou indeferimentos de recursos, situação agravada pelo fato de o Judiciário, na maioria das vezes, se declarar incompetente para anular questões de prova, alegando que isso seria invasão de competência de outro Poder. A esse respeito, veja, no site do Jus Navigandi, meu artigo intitulado O Contraditório e a Ampla Defesa nos Concursos Públicos.
Nesse momento, só resta repetir uma frase que costumo dizer em sala de aula: o concurseiro tem que estar preparado para ser injustiçado. Pelo menos por enquanto.
Um grande abraço a todos.
Luciano Henrique Oliveira.
Professor,
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa.
Ja adicionei em meus favoritos.
Carla
Obrigado, Carla! Seja bem-vinda.
ResponderExcluirProfessor, gostaria de saber quais suas sugestões para que pudéssemos ter concursos mais bem elaborados, transparentes e isonômicos, tanto na sua formulação quanto na sua aplicação e correção?
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