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(Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

QUESTÕES DE CONCURSOS MAL FORMULADAS

Você já viu aquelas questões de concurso horrorosas, que não conseguimos responder, simplesmente porque elas estão pessimamente formuladas? Por exemplo, você marcaria as assertivas abaixo, cobradas pelo Cespe/UnB, como certas ou erradas?

1 - (Oficial Bombeiro Militar do DF 2006) O Poder Judiciário pode apreciar, de ofício, a validade do ato administrativo.

2 - (Técnico Judiciário - Área Judiciária do TJCE 2008) O Poder Judiciário pode revogar ato administrativo por não considerar sua edição oportuna.

3 - (Juiz Substituto do TJTO 2007) São excludentes da responsabilidade civil do Estado a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

4 - (Defensor Público da União 2007) Como a responsabilidade civil do Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva, surge o dever de indenizar se restarem provados o dano ao patrimônio de outrem e o nexo de causalidade entre este e o comportamento do preposto. No entanto, o Estado poderá afastar a responsabilidade objetiva quando provar que o evento danoso resultou de caso fortuito ou de força maior, ou ocorreu por culpa exclusiva da vítima.

5 - (Analista em C & T Júnior I do MCT 2008) O poder disciplinar, que é discricionário, é uma decorrência da hierarquia. Mesmo não havendo hierarquia no tocante ao exercício de funções institucionais — caso do Judiciário e do Ministério Público —, ela existe nas relações funcionais de trabalho.

6 - (Técnico Judiciário do TJRJ 2008) Na aplicação de penalidade a servidor, existe margem de discricionariedade para escolha do ato administrativo de sanção.

7 - (Analista Judiciário - Área Judiciária do TST 2003) A responsabilidade civil do Estado em relação aos danos decorrentes de atividades nucleares de qualquer natureza independe da existência de culpa, tendo sido adotada, nesse sentido, a teoria do risco integral.

8 - (Procurador do Município de Vitória 2007) A teoria do risco integral jamais foi acolhida em quaisquer das constituições republicanas brasileiras.

Gabaritos oficiais:

1-E 2 -E 3-E 4-C 5-C 6-E 7-C 8-C

Caro(a) concurseiro(a), eu lhe digo: o fato é que não há como responder tais questões com segurança. Vejamos.

A questão 1 será certa quando o Judiciário estiver analisando seus próprios atos, no exercício da função administrativa, e será errada, se ele estiver atuando na função jurisdicional, que não é iniciada de ofício. A questão deveria é ter sido anulada. O mesmo vale para a questão 2.

Na questão 3, o caso fortuito, para grande parte da doutrina, é excludente do nexo causal e, consequentemente, da responsabilidade do Estado. Não o é, entretanto, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que considera como caso fortuito o dano decorrente de ato humano, de falha da Administração, que não afasta a responsabilidade. Para esta autora, a questão está realmente errada; para outros doutrinadores, está certa. Pra agradar gregos e troianos, o Cespe resolveu inverter seu posicionamento na questão 4: agora o caso fortuito também é excludente de responsabilidade. E tudo isso no mesmo ano de 2007. Coitados de nós, concurseiros...

A questão 5 afirma que o poder disciplinar é discricionário, mas isso só é verdade quanto à escolha e à dosimetria da penalidade administrativa. A apuração da falta do agente faltoso e a aplicação de uma sanção é ato vinculado, pois é dever do superior hierárquico que tiver ciência de irregularidade no serviço público promover a sua apuração imediata (vide art. 143 da Lei 8.112/1990). Ué, mas então por que a questão 6 foi considerada correta pelo Cespe? Ocorre que o STJ, em 12/12/2007, no MS 12.927/DF, afirmou que inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar. Afirmou isso para poder dizer que, por não haver discricionariedade no ato disciplinar, o controle jurisdicional desse ato é amplo e não se limita a aspectos formais. E o Cespe se baseou nesse julgado para apresentar o gabarito da questão. Agora, note o seguinte: a questão 5 também é de 2008, posterior, portanto, ao citado acórdão da Corte Superior. Pois é! Pelo jeito a banca não está nem aí pra você ou pra mim. Ela não gosta de concurseiros.

Pra finalizar, veja as questões 7 e 8. Uma afirma que a teoria do risco integral é adotada nos casos de danos nucleares, para responsabilizar civilmente o Estado. A outra, que tal teoria jamais foi adotada em nossa República. Qual está certa? Depende do autor. Há os dois posicionamentos: alguns defendem a existência do risco integral em caso de danos nucleares e outros consideram que, mesmo nesses casos, a teoria aplicável é a do risco administrativo. Ambas as questões deveriam ter sido anuladas.

Bem, esses foram apenas alguns exemplos de como as bancas formulam mal suas questões, dando margem a várias interpretações e divergências doutrinárias, o que só prejudica - e muito - quem estuda. Enquanto não tivermos uma Lei Geral dos Concursos Públicos, isso vai continuar, pois as bancas reinam soberanas em matéria de formulação e correção das questões, sem nem mesmo motivar seus gabaritos ou indeferimentos de recursos, situação agravada pelo fato de o Judiciário, na maioria das vezes, se declarar incompetente para anular questões de prova, alegando que isso seria invasão de competência de outro Poder. A esse respeito, veja, no site do Jus Navigandi, meu artigo intitulado O Contraditório e a Ampla Defesa nos Concursos Públicos.

Nesse momento, só resta repetir uma frase que costumo dizer em sala de aula: o concurseiro tem que estar preparado para ser injustiçado. Pelo menos por enquanto.

Um grande abraço a todos.

Luciano Henrique Oliveira.

3 comentários:

  1. Professor,

    Parabéns pela iniciativa.

    Ja adicionei em meus favoritos.

    Carla

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  2. Professor, gostaria de saber quais suas sugestões para que pudéssemos ter concursos mais bem elaborados, transparentes e isonômicos, tanto na sua formulação quanto na sua aplicação e correção?

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